terça-feira, 24 de abril de 2012

O Juízo Final

"- Deus não se crava, você nem tem respeito pelo sagrado.
Ela sabe que pouco valem argumentos: Bartolomeu sempre se recusou a rezar. "Com os deuses falamos", argumenta ele. A palavra aberta, sem texto, criando o divino no improvisado diálogo. "E mais", defende o velho, "rezar é sempre uma declaração de culpa."
- Começamos, submissos, por nos declararmos filhos Dele. Mas, na verdade, o que queremos é ser Deus. É por isso que a reza é sempre um pedido de desculpas. Está a perceber, Mundinha?
- Você leu isso em algum lado, marido. Isso é complicado demais para sair da tua cabeça...
- Não é que recuse a oração: eu aproveito é para rezar enquanto durmo.
- Brinque, brinque. Depois, no Juízo Final, quero ver o que vai responder...
- Para mim, o Juízo Final é todos os dias."

(Mia Couto, em seu delicioso "Venenos de Deus, remédios do Diabo" - Cia das Letras)

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